Em 1976, Joey Ramone cantava que já não se importava nem com este mundo nem com aquela garota. I Don’t Care era uma letra minimalista cantada melancolicamente sobre acordes furiosos. O desalento punk dos Ramones era sinal de que há algum tempo parte dos adolescentes já não via o mundo de uma forma colorida e otimista. A canção jovem precisava expressar essas novas percepções do mundo. E ela fez isso de diferentes maneiras. O movimento dark ou gótico foi uma delas.

O rock gótico foi um dos primeiros filhotes do punk no final dos anos 70. Numa época em que a disco music festiva e descompromissada dominava as paradas de sucesso, uma vertente do rock com canções introspectivas, letras que expressavam angústias e uma visão sombria da sociedade e trágica dos relacionamentos amorosos surgiu no Reino Unido. Bandas como Siouxsie and the Banshees e Bauhaus misturaram efeitos eletrônicos, uma repetitiva e onipresente bateria e vocais dramáticos para cantar sua visão pessimista do mundo.

Muitos críticos consideram o lançamento do disco Bela Lugosi’s Dead, do Bauhaus, em 1979, o marco inicial do rock gótico. O estilo logo ganhou adeptos e nos anos 80 despontaram bandas como The Jesus and Mary Chain, The Sisters of Mercy e aquela que é considerada uma das mais expressivas e bem-sucedidas do gênero, o The Cure, apesar do grupo ter uma produção musical que vai bem além do estilo.

As principais características do rock gótico surgiram logo nos primeiros dias do punk britânico, inspiradas no "faça você mesmo", no niilismo e na agressividade visual e sonora preconizados pelo punk. Só que com uma predileção por temas que misturam obsessão pela morte, romantismo macabro e sadomasoquismo. Parte das raízes do rock gótico estava também no glam rock dos anos 70, de David Bowie e Roxy Music, e no rock alternativo de Nova Iorque do final dos anos 60, como o do Velvet Underground. Visualmente, roupas pretas, muitas de couro no mesmo estilo sadomasoquista do punk, e maquiagens faciais de aspecto fúnebre identificavam os admiradores do gótico.

Várias culturas e movimentos artísticos influenciaram o fenômeno. Uma das mais importantes foi a tradição literária do Romantismo do "mal do século" que teve seu expoente com Lord Byron, mais de uma centena de anos antes na Inglaterra. Também elementos das antigas culturas egípcia e celta, da mitologia cristã, do surrealismo e do dadaísmo, citações de perversidades sexuais e de histórias de vampiros, futurismos cibernéticos e a filosofia de Nietzsche compuseram uma colagem de referências presentes nas canções góticas.

O gótico emplacou diversos sucessos que viraram clássicos da cultura pop como Lullaby e Lovesong, do The Cure, e Christine, de Siouxsie and the Banshees. As influências da atmosfera do dark estão presentes também em canções clássicas de bandas que não pertenciam ao movimento como em She Lost Control, do Joy Division, ou Suffer Little Children, dos Smiths. A herança gótica avançou pela década de 90 influenciando bandas como Type O Negative e Nine Inch Nails, entre outras.

A cena gótica se diluiu na virada dos anos 80 para os 90, mas os sentimentos de rejeição, solidão e desilusão que atingem parte dos adolescentes não. E a música pop continuou a tê-los como temas principais em movimentos como o grunge e as canções de Nirvana, Pearl Jam e companhia. Mas, apesar de tocar nos mesmos problemas, o grunge não agradava a uma parcela da juventude que tinha mais afinidade com os valores e a visão do mundo que o rock gótico trazia.

A subcultura gótica foi um caminho que muitos jovens com uma sensibilidade mais romântica encontraram para lidar com as dificuldades emocionais da adolescência, com a crescente complexidade do mundo a sua volta e com a percepção negativa do futuro. Enquanto esses fatores, que podem ter contribuído para o sucesso do gótico como uma das mais duradouras subculturas jovens, persistirem, uma parte dos jovens buscará na cultura pop canções que expressem essa sensação de desalento e que de alguma forma os ajudem a se sentir menos sozinhos.

 

Por Sílvio Anaz

Extraído e adaptado de www.hsw.uol.com.br