
"Ponto
de encontro entre a literatura e a vida,
onde os jovens procuravam dar realidade às imaginações
românticas"
Esta
frase do crítico literário Antonio Cândido
publicada no jornal Estado de São Paulo de 25 de Janeiro
de 1954, resume num ponto de vista, o que foi a Sociedade Epicuréia.
Porém, para que compreendamos com maior discernimento,
devemos antes de tudo, conhecer Epícuro e o Epicurismo.
Epícuro (341–270 a.C.) foi um filósofo
grego partidário de Demócrito. O essencial de sua
obra reside no conceito de gozar os bens materiais e espirituais
do mundo com ponderação e medida; de forma que a
excelência desses bens seja percebida naquilo que há
de melhor em sua natureza. Mas a doutrina de Epícuro foi
desvirtuada por seus opositores, principalmente religiosos, que
lutavam contra todas as formas de materialismo. Então o
Epicurismo (Epicuréia, no feminino) tornou-se sinônimo
de busca exclusivamente material; de volúpia e prazeres
terrenos. Esta conotação foi usada para designar
a Sociedade Epicuréia.
A Sociedade
Nosso cenário é a capital paulista
em meados do século XIX. A Faculdade de Direito, instalada
no antigo Convento de São Francisco, abrigava jovens vindos
de diversas partes do Brasil. De acordo com o historiador Richard
Morse: "os estudantes introduziram novas modas no vestuário.
As
caçadas,
a natação, o flerte, as bebidas, as orgias e o hábito
de se reunirem para discussão e divertimento levaram a
vida para as ruas, ao ar livre, criaram a necessidade de tavernas
e livrarias, e inauguraram o sentimento de comunidade".
Acomodados em pequenos quartos das repúblicas,
os estudantes viam-se distantes do olhar recriminador da
família. Aliada a liberdade, a atmosfera austera
e sombria de uma São Paulo com no máximo 15
mil habitantes, fornecia elementos suficientes para o cultivo
e propagação da imaginação.
Neste caso, manifestada na literatura, e talvez, na vida
real.
Um grupo criado em 1845, composto por boêmios
universitários liderados pelos seus fundadores Aureliano
Lessa, Bernardo
Guimarães e Álvares
de Azevedo, se intitulava "Sociedade Epicuréia".
De acordo com as lendas, este grupo escandalizava as tradicionais
famílias paulistanas ao promover orgias nas necrópoles
da cidade. Dizia-se que haviam embriagado uma meretriz e a levaram
secretamente para um cemitério. Numa cerimônia macabra,
onde vinho e tabaco eram componentes essenciais, consagraram a
prostituta como "Rainha dos Mortos", envoltos na fria
neblina da madrugada paulistana.
O conto Noite
na Taverna de Álvares de Azevedo, evoca um ambiente
semelhante ao que poderia conter nestas cerimônias. Os relatos
dos personagens Solfieri e Gennaro, por exemplo, poderiam ter
sido inspirados em situações vivenciadas pelo autor
e transcritas como simples contos.
Segundo o contemporâneo de Álvares
de Azevedo, o escritor José de Alencar, "Todo
estudante de alguma imaginação queria ser um Byron,
e tinha por destino inexorável copiar ou traduzir o bardo
inglês". Assim, os jovens e ávidos devoradores
de Lord Byron,
denominavam-se como personagens de suas obras. Estes pseudônimos
eram usados apenas em suas reuniões. De certa forma, este
recurso atribuía um aspecto alegórico e misterioso
a Sociedade Epicuréia.
Outros boatos também contribuíram
para que fosse criado um caráter profano ao redor da Sociedade
Epicuréia e seus membros. Porém, os fatos combinam-se
com os mitos e a veracidade das informações fica
comprometida ao analisarmos alguns fatores.
É
notório que Álvares de Azevedo possuía uma
saúde frágil e uma personalidade introspectiva manifestada
em seus versos. Além disso, o estudioso e dedicado jovem,
teve uma importante parcela de sua obra construída durante
o período que cursou a Faculdade de Direito. Portanto,
é espantoso crer que o poeta promoveria e participaria
de orgias como as que compõem a reputação
da Sociedade Epicuréia, e esmaecem no véu dos tempos.
Mas deixemos as lendas. O fato significativo a
ser destacado, é que a Sociedade Epicuréia é
considerada por alguns, um grupo ou um período, onde se
consolidou uma intensa e virtuosa produção literária
estudantil. Até hoje, não houve um fenômeno
de grandiosidade seme-lhante; e provavelmente não haverá.
Isto porque a capacidade daqueles jovens poetas é incontes-tável,
e o romantismo que circundava a outonal São Paulo daqueles
tempos, jamais voltará a cena.
Por Spectrum