Introdução
Na ausência de uma classificação
mais precisa, foi denominada Cultura Obscura, o conjunto de elementos
que caracterizam o grupo de indivíduos que surgiu nas metrópoles
brasileiras, em meados da década de 90 e está se
consolidando nestes primeiros anos do século XXI. Suas
principais características, tanto comportamentais quanto
artísticas, podem ser associadas ao movimento Romântico
europeu do século XVIII, mas ainda assim, ficou sendo considerada
por muitos, uma ramificação da subcultura
gótica/darkwave.
Não é possível determinar
um ponto de partida específico para o surgimento da cultura
obscura. Porém, por cultivarem algumas referências
artísticas comuns, é provável que seja um
subproduto, mas não uma evolução, da subcultura
gótica. Neste caso, a cultura obscura une e intensifica
os elementos românticos encontrados na subcultura gótica,
consolidando-se como uma manifestação distante de
sua possível origem.
Apesar do termo gótico estar relacionado
à subcultura gótica/darkwave, também é
amplamente usado para classificar os adeptos da cultura obscura.
Neste caso, o termo gótico é utilizado
em sentido parecido ao do termo Literatura Gótica,
ou seja, como sinônimo de obscuro ou medieval,
sendo estas, características muito presentes na cultura
obscura.
Ainda, o termo Goticismo (do inglês
Gothicism), que originalmente refere-se apenas à Literatura
Gótica, também é utilizado, de forma equivocada,
como uma "variação" da expressão
cultura obscura. Apenas nesta situação, goticismo
abrange o comportamento, arte e "filosofia" da cultura
obscura.
A expressão "nascer gótico"
(gótico neste caso relativo à cultura obscura)
é comumente usada entre os adeptos da cultura obscura e
interpretada de forma equivocada por outros. Obviamente, não
é possível compreender esta expressão em
sua forma literal. Isto porque não é possível
"nascer já sendo alguma coisa"; ou seja, ninguém
nasce com uma doutrina, ideologia, ou religião pré-estabelecidas,
por exemplo. Neste caso, a expressão "nascer gótico"
significa que, ao longo da vida, de forma indireta e natural,
uma pessoa cultivou em sua própria personalidade, valores
que se identificaram e se associaram às principais características
da cultura obscura. Portanto, não houve uma mudança
repentina e intencional para "virar gótico".
Neste caso, o que ocorre, é um processo natural de conhecimento
e identificação.
Características
Gerais
Apesar de ser considerada por muitos, uma tribo
urbana, a cultura obscura não se caracteriza necessariamente
pela coletividade, mas principalmente pela individualidade. Uma
vez que se aborda personalidades e comportamentos que tendem a
encontrar expressões artísticas comuns.
Desse modo, não há um conjunto específico
de influências, regras ou doutrinas pré-estabelecidas.
Porém, alguns pontos podem sugerir um "contramovimento
social". Por exemplo, há na sociedade, de um modo
geral, uma busca intensa pelo mercantilismo, a indução
selvagem ao status e a exploração da arte pelo consumismo.
A cultura obscura contraria essas tendências, contrapõe-se
aos rótulos e modismos, choca-se com ideais consolidados
e valoriza, sobretudo, a arte e a expressão individual.
Para que algumas de suas principais características
tornem-se mais nítidas, pode-se associá-las ao Romantismo
Literário. Não apenas no aspecto artístico,
mas principalmente, na questão comportamental. É
este romantismo, reacionário ao iluminismo e ponto de partida
da subcultura gótica, responsável pelas bases obscuras
desta cultura. A superestimação do ego e, conseqüentemente,
dos próprios sentimentos que, exteriorizados, formam uma
realidade idealizada do mundo. A evasão, que consiste numa
fuga psicológica da realidade, é responsável
pela supervalorização do passado, seja individual
ou histórico, como no saudosismo. Assim, percebe-se com
nitidez a intersecção entre Romantismo e Cultura
Obscura.
Entre seus adeptos, podemos encontrar um constante
interesse pela cultura, valorização e contemplação
de diversas manifestações artísticas; perspectiva
poética e subjetiva sobre a própria existência;
visão positiva sobre solidão; melancolia e tristeza;
introspecção e medievalismo; etc. A soma destas
características compõe uma cultura de atmosfera
sombria, romântica e poética. Mas, geralmente, é
vista pela sociedade, de forma preconceituosa, como uma manifestação
depressiva e negativa.
A Literatura, além de ser uma das manifestações
artísticas mais consumidas e produzidas na cultura obscura,
fornece uma definição estética e ideológica
bem próxima dos elementos que a compõem. Compor
um poema, por exemplo, é uma forma de penetrar no próprio
âmago, conhecer a si próprio, confrontar os temores
e revelar os mais profundos sentimentos.
Mais uma vez, o romantismo faz-se presente; especialmente
o ultra-romantismo
ou "mal-do-século". Não apenas por suas
obras, mas principalmente por suas características: subjetivismo,
saudosismo, predileção pelo noturno e pelo sobrenatural,
por exemplo. Obras de autores como Allan
Poe, Lord
Byron, Lovecraft
e Álvares
de Azevedo são amplamente absorvidas.
A música pode ser classificada como o principal
veículo de divulgação no que se refere à
Cultura Obscura. Mas, como em outras expressões, não
é possível traçar uma linha nítida
relacionada à estilos ou artistas específicos.
As bandas que surgiram no início da década
de 80, no período conhecido como pós-punk, e atualmente
são classificadas genericamente de góticas, também
são apreciadas; como o Joy
Division, por exemplo.
O Gothic Metal, nome dado genericamente ao estilo
que combina Metal e Neoclássico, traz em letras e arranjos
uma boa parte dos temas abordados: alusão à obras
literárias e mitologia, citações em latim
e arcaísmos, entre outros elementos.
Porém, a cultura obscura ainda abriga outros
estilos e referências musicais. Por exemplo, música
medieval e renascentista, e compositores clássicos e neo-clássicos.
Ainda, estilos mais suaves como New Age, Dark Atmospheric (ou
Dark Ambient) e Ethereal.
Na cultura obscura não há uma religião
ou doutrina espiritual a ser seguida. Mas há um grande
interesse por religiões do período pré-cristão,
por diversas correntes e doutrinas esotéricas e pela própria
espiritualidade. Este interesse é, sem dúvidas,
fruto de um desejo de autoconhecimento e de elevação
espiritual próprios de seus adeptos.
Nas plásticas e na estética, as emoções
são figuradas e personificadas. Anjos e demônios
convivem como nas ilustrações de William
Blake, o terror pode ser encontrado em Nosferatu,
do expressionismo alemão. Vê-se ironia e macabrismo
no cinema de Tim Burton. Assim como sombras urbanas emergem na
lendária Gotham City. Castelos e catedrais, gárgulas
e quimeras coexistem na Arte Digital. Definições
e exemplos tão distantes que se tornam próximos
e coerentes a olhos intensos e românticos. A combinação
de certos elementos compõe uma obra, um ambiente ou uma
paisagem, impregnada de lirismo obscuro, como na melancolia decadente
de um cemitério ou na grandeza de uma catedral.
Diversas expressões artísticas de
culturas e épocas distintas encontram-se na cultura obscura:
do romantismo ao modernismo; da prosa à poesia; do sacro
ao profano... Uma cultura que não necessita de regras,
apenas de identidade; que não pode ser sintetizada em algumas
palavras; mas que é ampla e democrática para abrigar
elementos tão distantes e incluí-los sob uma mesma
perspectiva.
Por
Spectrum